Hoje, por acaso, encontrei esta carta dirigida a Fernando Pessoa. Lembro-me que foi um dos primeiros trabalhos exigidos no seminário do Curso de Especialização em Ensino do Português, leccionado pela Doutora Isabel Duarte, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Deixo-a aqui... não por achar que está um fenómeno de escrita, mas porque me traz tantas recordações (boas e más)... Não a corrigi, por isso, é possível que encontrem algumas frases menos bem construídas...algumas vírgulas mal colocadas... mas vou deixá-la assim, foi assim que ela foi entregue.
Porto, 17 de Outubro de 2005
Caro Fernando Pessoa,
Infelizmente, ainda não é possível conhecer as pessoas pelas leituras que fazem das coisas que escrevemos. Se assim fosse, já me conheceria tão bem, como eu o conheço a si e as apresentações já estariam feitas. Eu já o trataria por amigo ou, somente, pelo nome, Fernando. Passaria, rapidamente, ao que me fez escrever esta carta e dispensaríamos as apresentações. Infelizmente, a vida não é assim, e apesar de ler tudo o que encontro de seu, não me conhece e, segundo as leis deste mundo, eu também não posso afirmar que o conheço. (Os “infelizmentes” seriam muitos, mas fico por aqui).
Certamente que não o conheço. O que conheço são as pessoas que nos vai dando a mostrar nos seus textos. Os fingidos que trespassam os seus poemas. Mas isso pouco importa...
Deixe-me tratá-lo por Fernando. Aqui há dias, quando lia Um Jantar Muito Original, dei por mim a desejar que ainda cá estivesse para continuar a encantar-nos com aquilo que escreve. E foi durante esses pensamentos que decidi escrever-lhe esta carta.
Mudei rapidamente de ideias. O nosso Álvaro de Campos teria sucumbido a tanta inovação; o nosso Alberto Caeiro teria enlouquecido ao presenciar a destruição quotidiana da sua realidade; Ricardo Reis teria visto o seu epicurismo triste desmoronar-se, chegando à conclusão que para além de a água de um rio nunca ser a mesma, porque passa, ela também se mistura e desaparece, e a vida humana está cada vez mais pautada pela destruição e pelo egoísmo. E Alexander Search veria que todos estamos loucos e o seu medo tornar-se-ia realidade, para mal de todos nós.
Fico feliz por já não estarem cá. Fico feliz por poder ler cada poema e saber que nada o afectará. Fico feliz por saber que a loucura deste mundo não dará origem a mais poemas seus, que, o seu nome, Fernando Pessoa, não surgirá por baixo de um poema triste sobre os pecados que hoje destroem o mundo. Não!...os seus poemas são belos como são e já passaram por tanto...
Quem me dera poder proibir que escrevessem sobre o hoje, sobre o agora.
Mas, Fernando, já me mostrou como mesmo as desgraças que se vivem dão origem a versos dos mais belos, dos mais valiosos, dos mais sublimes...
Fico triste e feliz por já cá não estares... confuso, não? Sei que ias gostar...
Adeus. Escreva sempre. Mil abraços, mil e toda a Alma da sua,
Ana Correia