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Rascunhos...apenas rascunhos e nada mais...

segunda-feira, março 24, 2008

Rotinas...



A casa ficava numa vastíssima planície, onde casas todas iguais, com cortinas todas iguais e jardins todos iguais se colocavam lado a lado, enfileiradas, coladas, partilhando o mesmo sol, a mesma chuva, o mesmo vento. Só aquela árvore gigante, que levantava os seus enormes braços para o céu, permitia distinguir de entre todas a casa número sete.
Na casa número sete vivia uma família como tantas outras: o pai João, empresário do ramo automóvel; a mãe Margarida, enfermeira no hospital da cidade; e Gabriel, o filho de ambos.
Todos os dias, pelas oito e trinta da manhã, podia observar-se o carro do pai a abandonar a casa, directo para o centro da cidade. A essa hora, todos os pais, de todas as casas, saíam para o trabalho numa verdadeira procissão automóvel.
Mais tarde, por volta das nove da manhã, podia observar-se a mãe a dirigir-se para o seu carro, enquanto ainda ia arranjando a gola do casaco do filho. A essa hora, todas as mães e todos os filhos abandonavam as suas casas, directos para o colégio e para o trabalho, repetindo a procissão das oito e trinta.
Durante todo o dia, a rua era deserta e silenciosa. A única coisa que perturbava esta monotonia era aquela réstia de verde flutuante e um ou outro carro que se perdia naquele imenso mar dormente.
Às dezanove e trinta regressavam as mães, carregadas com os sacos das compras do supermercado, a carteira enfiada num dos braços, a mochila do filho no outro como um colorido malabarista do circo.
Pelas vinte horas, regressavam todos os pais. Então, todas as famílias se reuniam de novo nas suas confortáveis e apetrechadas casas, fazendo com que a rua regressasse à sua habitual monotonia.
Ao jantar, todos os pais e todas as mães perguntavam aos filhos:
- Como correu hoje a escola?
E os inteligentes meninos respondiam:
- Bem.
E tornavam os pais:
- Aprendeste muita coisa?
E os filhos respondiam monossilabicamente:
- Sim...
E depois destas palavras, todos continuavam o jantar sem soletrar mais uma palavra com a alegre satisfação de dever cumprido.
Todos os fins-de-semana, todas as famílias, de todas as casas, iam viajar. A fila de carros formava-se no Sábado às dez horas e, depois, era vê-la novamente no Domingo às vinte. No tempo intermédio: o silêncio, os carros perdidos, a árvore.
Um Sábado, a mãe ficou doente, o pai ficou doente e o Gabriel ficou aborrecido. Saiu para o jardim, que nunca visitava, e tentou a todo o custo descobrir algo que o entretivesse durante a doença dos pais.
Foi aí, nesse momento, que viu a árvore. Já tinha olhado para ela, é certo, mas só agora a conseguia ver. Pôs a sua pequena mão no tronco e teve uma ideia: saltou, esticou o braço e agarrou-se a um ramo, fez força com as pernas e trepou bem para o alto da árvore.
Nunca tinha percebido o motivo pelo qual aquelas casas tinham o telhado azul. Na escola, todos os meninos pintavam os telhados das casas de vermelho. Ele próprio o fazia, mas, agora que estava ali no alto, achava que quem tivera aquela ideia azul era um verdadeiro génio. Sentia-se como um pássaro voando no azul do céu. Ali podia voar mais alto, abandonar as nove horas, as procissões matinais de carros, as cortinas, as conversas sempre iguais ao jantar.
As horas passaram, a mãe chamou e Gabriel foi jantar.
À mesa, comendo a canja que a mãe preparara, conversaram: um novo modelo que estava para sair, uma nova estirpe de uma doença e a necessidade de Gabriel ocupar um dia uma posição importante e de destaque. Todos os dias, em todos os jantares, a conversa era aquela e o pai perguntava:
- Gabriel, que profissão queres exercer quando te tornares adulto?
E pela primeira vez, naquela em que voara pelo azul dos telhados do seu bairro, Gabriel não respondeu que queria ser médico, ou juiz, ou empresário como o pai. Articulou correctamente e do alto dos seus dez anos:
- Sonhador.

domingo, março 02, 2008

Ainda sem nada a dizer...


«Foi preciso a ministra da Avaliação, perdão, da Educação...»
José Sócrates
discurso das jornadas parlamentares
do P.S 27/02/2008